AFETIVIDADE: nem sempre é questão de gosto

AFETIVIDADE: nem sempre é questão de gosto

Sob a ótica do meu universo enquanto bicha, preta e afeminada, assim
como aproveitando o momento no qual o
debate racial está em evidência, me proponho a compartilhar e analisar
experiências de relacionamentos com pessoas brancas integrantes da sigla LGBT+. 


Deixo escuro, desde já, que escolhi partir do ponto de vista
individual para uma análise geral porque pretendo dá pessoalidade ao texto. 


Feita a introdução, vamos ao assunto. 


...

 

Dia desses ocorreu um fato que, além de me remeter a experiências
pretéritas, lembrou-me o trecho da canção Preta D+ de Tassia Reais que diz: “A gente pode se pegar, mas, ó, você
cria expectativa demais. Além do mais, eu amo a Becky do cabelo bom”. 


Desde que comecei a experenciar a sexualidade, vira e mexe
escuto a frase: “fulano não faz meu tipo, é questão de gosto”; como se nossas
escolhas sexuais e/ou afetivas fossem isentas da cultura a qual estamos
inseridos, diga-se de passagem, racista e sexista. 


Na maioria das vezes em que me
relacionei com pessoas brancas, ainda que brevemente, escutei dizeres como “seu
cabelo até que não é tão ruim”, “você é um negro lindo”, “nem parece negro, sua
boca é pequena e seu nariz nem é tão grande”, “até que você não é tão negro, que
ótimo”, etc.  


Há muito tempo, agora mais do que
nunca, flutuam ao meu redor os questionamentos: o que cabelo é bom ou ruim? Por
que o cabelo de pessoas negras são sempre os ruins? Por que antes de dizer que
sou lindo tem que ser dito que sou negro? Por que não se diz “você é um branco
lindo”? Por que eu não pareço negro por ter boca pequena? Por que as
“preferências” de relacionamentos são direcionadas às pessoas brancas?  


As respostas podem ser diversas,
mas todas que se pretendem sérias devem perpassar por um ponto central, a
saber: RACISMO ESTRUTURAL


Baseado nos estudos de Sílvio
Almeida, diz-se que o racismo é estrutural porque ele é um dos pilares que
sustenta o sistema capitalista. Ao contrário do que se pensa, é errôneo
entrepor o racismo, meramente, no campo da escolha individual. Exemplificando,
pense numa casa, o racismo seria a fundação, a base, o alicerce desta, enquanto
as paredes seriam os atos racistas individuais (aqueles praticados por um cidadão
com o outro), institucionais (aqueles cometidos pelo Estado), jurídicos,
econômicos etc.  


Nesta perspectiva, o racismo não
é exterminado quando “cancelamos” pessoas, elegemos governantes de direita ou
de esquerda, deixamos de conversar com pessoas do nosso ciclo social, entre
outros. O racismo só seria efetivamente exterminado se o próprio sistema
capitalista, construído na contradição e na desigualdade de classe, raça e
gênero, fosse destruído. De outro modo, qualquer luta contra qualquer opressão que
não for também anticapitalista é simples reformismo. 


De volta à temática, por ser
estrutural, o racismo permeia inclusive as relações dos corpos racializados com
aqueles que não são. 


Partindo de experiências próprias
e de estudo, pude perceber que ao corpo negro, no tocante a relacionamento e
afetividade, é reservado o local da servidão e da objetificação sexual. Neste
sentido, às masculidades dentro do padrão cis-branco-heteronormativo, espera-se
que tenham pênis grande, sejam altos, fortes, viris e despidos de sentimentos.
Às feminilidades, por outro lado, espera-se que sejam servis, subalternas e
prontas para serem penetradas. Em comum, para as pessoas negras são reservados
momentos de prazeres casuais, em geral no escuro e locais ermos. 

Agora, pode ser que algumas
pessoas estejam se perguntando: como faço, dentro de um relacionamento
inter-racial, ainda que casual, para ser respeitoso? 


A resposta é simples, segundo os ditames
de Rico Dalasam na música Braille: 

Caro menino branco
Esse nosso
encontro pede a lucidez
De saber o
lugar que me encontro
E você, por
sua vez
Se é pra
andar ao meu lado, saiba que
Alguém foi
senhor
Alguém foi
escravo
E, entre
nós, esse espaço
Pede alguns
passos”

 

...


Autor do texto: Francisley Silva Rocha 


Ilustração: @sousamaria_


Dicas de leitura: “O que é Racismo Estrutural?”, do autor Silvio
Almeida. 

“Transfeminismo: Teoria e Prática”, da autora Jaqueline Gomes de Jesus &
Colaboradores 

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