Tempos tranquilos!?

Tempos tranquilos!?

Queria escrever sobre tempos tranquilos, porém, como já dizia Emicida em sua música Principia: “enquanto a terra não for livre, eu também não sou”. A cada dia uma angústia, uma inquietação que não nos permite desfrutar por muito empo a sensação de paz, de tranquilidade. Abro um parêntese para destacar que essas sensações de fato não são constantes, e nem se valem por meio de conquistas materiais, entretanto é difícil desfrutarmos dessas sensações num mundo tão desigual, sobretudo quando somos nós os explorados, discriminados e excluídos. 

Não ter certeza sobre o futuro é algo comum e que foge do controle de todos nós, contudo, ter a possibilidade de planejar minimamente nossa vida, traçar planos e poder escolher com o que trabalhar o que estudar e qual profissão seguir é privilégio de poucos. Arrisco a dizer, com toda certeza, que essa parcela geralmente é composta por
pessoas brancas, classe média e heteronormativa, o que na maioria das vezes calha de ser a mesma pessoa.
 

Refletindo sobre o processo histórico do nosso país, percebemos que desde o período colonial o trabalho foi usado como instrumento de controle, aprisionamento e exploração da população negra, resultando em anos de invisibilização e escravização. Os trabalhos braçais das fazendas eram reservados aos negros enquanto que os brancos ficavam com as tarefas intelectuais, administrativas e de cargos públicos.  

O Brasil racializado funciona nessa lógica ainda hoje, afetando toda a estrutura da nossa sociedade, demarcando o espaço do negro e o espaço do branco.
Definindo quem pode trabalhar com o quê, quem pode morar onde, quem pode ir e vir para tal lugar e quem pode morrer ou viver nesse mundo. Mesmo negros e pardos compondo mais de 54% da população brasileira, esse número não é representado positivamente no mercado de trabalho, por exemplo, conforme confirma a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde expõe que mais de 64% da população de negros e pardos estão desempregados.  

Esses dados não são novos, mas geram indignação pelos indicadores sociais ainda hoje
nos evidenciarem as desigualdades reflexo das construções racistas estabelecidas histórico e socialmente e que deixam à margem essa população, que
além de não participar do processo produtivo enfrentam diversas lutas para existir como sujeitos de direitos, sobretudo no que se refere ao mercado de trabalho. 

Quando penso na juventude negra e periférica inserida esse contexto a indignação é ainda maior, já que as condições de concorrência no mercado de trabalho são desiguais em relação aos
brancos, e quando inseridos são em circunstâncias precárias ou em subempregos. A disputa é injusta e cruel, já que o sistema estrutural possibilita um aparato enorme para brancos saírem à frente.
 

Estudam nos melhores colégios, cursos e atividades culturais, viagens e lazer a vontade, não precisam se preocupar com o que comer no dia seguinte, com a geladeira vazia ou com a falta de emprego dos pais, quando se tem a presença ativa deles. Não precisam deixar de ir à escola para cuidar dos irmãos, ou trabalhar ainda muito jovens, quando se consegue um emprego. Não precisam
deitar a cabeça no travesseiro e chorar de desespero pensando em mil e um problemas pela falta de dinheiro e acessos até perder o sono, angustiados e ansiosos, sei bem o gosto amargo dessas sensações. 

O racismo joga na nossa cara todos os dias como esse sistema é desigual, como essa corrida não é justa e como as opressões são estruturais. Bom seria se todos pudessem escolher o rumo de suas vidas no campo da educação/trabalho e se na efetividade desses não precisássemos passar pelas diversas dificuldades que nos assolam. Parafraseando Drik Barbosa, em sua música Herança: “Hoje sei que viver não é só sobre pagar contas, manter a sanidade é desafio de gente grande”. 

Falar sobre juventude, trabalho e sonhos, numa sociedade racializada não é fácil e meu objetivo não é esgotar a discussão nesse texto, até porque longe de mim conseguir abordar toda a complexidade dessas questões em poucas linhas. Mas é um convite para refletirmos sobre esses intraves, no objetivo de uma sociedade que promova justiça social, que inclua a juventude no processo participativo e produtivo do país e que erradique as desigualdades.  

Até lá não seremos livres, como citado no início do texto, até lá não teremos paz e tranquilidade de fato, porque a sensação que tenho ainda é que a paz é uma farsa como diz a poeta Naruna Costa: “A paz é uma senhora que nunca olhou na minha cara”.  

Texto por: Débora Andrade

Arte: Pixé Revista Literária e Calini & Caniato

 

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