"Perder-se também é Caminho

"Perder-se também é Caminho

O ano era 2017. O corpo começou a dar avisos. Sentei para tentar escutá-lo. A verdade é que, sutilmente, ele já havia me chamado para essa prosa antes, só que eu não ouvi. A mente e a rotina faziam barulhos demais. Os sintomas flutuavam; a mente flutuava junto. Foram três consultas para tentar resolver a situação. Nas duas primeiras, disseram: "-É ansiedade." A sensação era de que as pernas iriam parar a qualquer momento. Ora formigavam, ora queimavam, ora coçavam. Realmente a ansiedade causa sintomas muito desconfortáveis, mas parecia haver coisas além. Na terceira consulta, outra suspeita: "-Pode ser Hérnia de Disco. Vou pedir um exame." Fiz o exame solicitado e retornei ao médico. Não era absolutamente nada! Estava tudo certo, conforme o exame, mas os sintomas persistiram. Idas ao médico se tornaram parte da rotina. Fui ao neurologista e ele me solicitou outro exame: RNM da Coluna torácica. Em poucos dias, tive acesso ao resultado:” Lesões sugestivas de (EM?) ..." e outros dizeres. As minhas consultas eram sempre intercaladas de leituras, pesquisas e mais leituras sobre o que poderia ser. Peguei o resultado e fui pesquisar na internet( a gente abre o Google e pensa que sabe de tudo, o que não é legal, mas só de não sair “receitando Cloroquina, já está bom). Brincadeiras à parte, é muito importante buscar informações em fontes confiáveis e ter acompanhamento de profissionais que vão nos ajudar a lidar com o que chega! A essa altura, eu já estava afastada do trabalho por depressão e minha perícia estava agendada. Dias depois, retornei ao médico com o exame em mãos e, sem muitas palavras, ele me encaminhou para o CIEM- Centro de Investigação em Esclerose Múltipla para que eu pudesse marcar uma consulta. Enquanto eu aguardava pensando que não poderia piorar... A vida :”-Hahahaha” ...e mais sintomas apareceram: dor ao movimentar o olho direito, pouquíssima visão, uma espécie de "choque" que irradiava por toda a coluna quando eu movimentava a cervical. Eu estava perdida e bem longe de me encontrar. Já não sabia qual especialidade procurar: Neurologista, oftalmologista... Como o que mais me incomodava no momento era o fato de não enxergar, procurei por um oftalmologista e ele solicitou que eu fizesse um exame de campo visual. Fiz e o resultado não foi dos melhores: eu estava com pouquíssima percepção dos sinais luminosos. Fui ao Hospital com os resultados de todos os exames que eu havia feito e a resposta foi: "-Jéssica, o seu quadro clínico, o seu histórico e os seus exames sugerem ESCLEROSE MÚLTIPLA. Você precisa ser internada agora.” Fiquei internada por cinco dias tomando corticóide em altas doses e realizando novos exames. Foram dias permeados de Dúvidas: Qual e como vai ser o meu tratamento? Quais as possíveis sequelas? Quais os possíveis sintomas? Como lidar com esse percalço? É difícil receber uma notícia dessa e continuar intacta. A Clarice Lispector dizia que “a vida é um soco no estômago” e o diagnóstico veio constatando isso. E eu imaginava que muitas adaptações talvez seriam necessárias, ainda mais agora que muitas coisas ruíram em mim. Terapia? No mínimo, morar uns bons anos com uma psicóloga. Enquanto aguardava a próxima consulta para saber como seria o tratamento, comecei a procurar curas milagrosas (os médicos me alertaram para isso) Até confrontar artigo científico com texto de blog eu confrontei. Prometia cura? Estava eu lá, lendo incessantemente. Isso não foi suficiente (ainda bem).

Então, decidi por outra busca: a minha. Eu estava distante de mim e nem sabia qual seria o caminho de volta. E o medo de não conseguir realizar tudo que sonho? Comecei a estudar assuntos que sempre me interessaram, a fazer cursos que sempre tive vontade, a viajar por lugares que nunca imaginei conhecer... sempre gostei de viajar, mas a partir dali esse desejo começou a ter um sentido maior. Ainda sobre decisões: decidi trabalhar com o que amo, mesmo ciente das dificuldades que eu poderia encontrar por isso. Aos poucos, fui me reencontrando. Os meus medos foram dando lugar a saberes e amor próprio, apesar de às vezes eles passearem por aqui...

Não sei o que doía mais: a preocupação com o diagnóstico, a preocupação com o tratamento ou a dor de enxergar as ilusões, pois mesmo que futuramente isso ganhe um novo tom, no momento do rolê é difícil perceber o processo assim. Me fechei e foram poucas as pessoas que eu permiti ficar perto, mais precisamente, os meus pais e a Uli(super importantes nesse processo).Acredito que o que eu precisava mesmo era da Minha presença. E não é que comecei a gostar disso?(não do diagnóstico, mas da minha companhia). Aprendi muito amizade, escuta,limites, amor próprio e autocuidado.
Durante essas buscas, continuei com mais exames para que pudessem ser excluídas qualquer outra causa. Posteriormente, a minha consulta foi marcada para conversar sobre como e qual seria o tratamento. Os médicos me explicaram que eu faria uma infusão por semestre precedida de exames para acompanhamento (meu tratamento atual).

Atualmente, estou em remissão, o que significa que não apresento sinais de atividade/evolução da doença.

Aprendi o quão importante é atentarmos às vozes do corpo. Ele geralmente grita quando estamos na contramão ao que a alma pede. (Já posso ser coach? Brincadeira, gente.)

Lidar com Esclerose Múltipla é lidar com incertezas e acho que a vida é sobre isso, né?!

Hoje, sei que o incômodo causado pela coceira, formigamento e/ou queimação se chama Parestesia, que a baixa visão foi causada pela Neuromielite Óptica e que o Choque que irradia por toda coluna ao movimentar a cervical se chama Sinal de Lhermite.
Não fiquei com sequelas e me sinto feliz por isso. Sei que amanhã o cenário pode ser outro, mas por ora, agradeço por estar bem bem e tento viver um dia de cada vez.
Nota sobre a imagem: Não, não é uma homenagem ao Queiroz, é sobre a Campanha Agosto Laranja(Convido vocês a conhecerem 🧡), Campanha essa que retrata a Conscientização da Esclerose Múltipla, uma doença neurológica, crônica e autoimune, ou seja, as células de defesa atacam o sistema nervoso central causando danos à bainha de mielina, capa que protege as células nervosas . Atinge jovens de 20 a 40 anos de idade. É uma doença que não tem cura e pode se manifestar por diversos sintomas, tais como: alteração do equilíbrio, da coordenação motora, formigamentos, fraqueza muscular, transtornos visuais (visão embaçada ou visão dupla), entre outros.

Obrigada por terem chegado até aqui! E fiquem em casa! Se até os sintomas imprevisíveis da EM estão respeitando o Isolamento Social e não estão dando as caras por aqui, não são vocês que vão cometer a palhaçada de dar rolê.

Abraços

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